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Grandes empresas tradicionais conseguem inovar a partir das práticas adotadas pelas startups?

Nestes últimos anos, eu e meu sócio Paolo Petrelli tivemos a oportunidade de validar uma hipótese que acreditávamos:  

  • Hipótese: Grandes empresas tradicionais conseguem inovar a partir das práticas adotadas pelas startups?
  • Conclusão: Sim. Isso é a mais efetiva e inteligente ação com foco na inovação.

Mas para justificar essa conclusão é importante entender o contexto da inovação esperada e principalmente o tempo necessário para que essa inovação aconteça.  

Quando falo sobre inovação, com os gestores e executivos das grandes corporações, percebo que existe um abismo entre percepções de inovação. Além disso, é fácil notar que dentro de uma mesma organização, os próprios executivos falam sobre inovação em níveis diferentes. Desde inovações que mais parecem “maquiagens para rejuvenescimento” de produtos até transformações radicais na estratégia. E isso gera uma sensação de torre de babel nessas empresas, pois na verdade, ninguém se comunica da forma que gostariam, desencadeando frustração por desalinhamento de expectativas.

Então, para que seja possível entender de qual inovação estamos falando, criamos uma matriz muito simples de entender.  

A seguir, a Matriz de Inovação da PontoGet. Criamos essa imagem para ajudar na comunicação e para eliminar o desalinhamento entre níveis de inovação.  

Em resumo, nós dividimos a inovação em quatro níveis: Essencial, Incremental em tecnologia, incremental em modelo de negócios e Disruptiva.  

Essa matriz nos ajuda a entender uma grande falha de entendimento quando alguém acha que está inovando, mas o mercado reage como se não houvesse inovação. A inovação essencial entra na categoria da “maquiagem para rejuvenescimento” de produtos que citei anteriormente. É uma melhoria tão sutil que não entrega nenhuma percepção de inovação para o cliente. Mesmo assim, houve esforço da empresa para melhorar algo internamente, porém os competidores já ofereciam aquilo antes. Um exemplo comum desse tipo de inovação é o facelift que as montadoras de automóveis fazem em seus carros. Mudam faróis, melhoram sistemas de multimídia, revestimentos de estofados e outros itens não-críticos.  

Quando estamos no outro extremo, falando de inovação disruptiva, estamos afirmando que, naquele segmento, é a primeira vez que uma nova tecnologia é usada simultaneamente com um novo modelo de negócios, entregando uma percepção de valor completamente diferente de tudo o que o cliente já percebeu. Para ilustrar uma inovação disruptiva, imagine que agora é possível assistir a um filme na TV da sua casa, sem precisar de um DVD e sem alugar esse filme. Para isso, você simplesmente aperta o play em uma plataforma de assinatura de vídeos de streaming, como o Netflix, por exemplo.  

Quando já conseguimos falar sobre inovação, vem o próximo passo: Como inovar de forma competitiva, para ser protagonista e não mais uma empresa seguidora de tendências?  

É aí que as startups e as empresas tradicionais se encontram. Para inovar de forma competitiva as empresas tradicionais devem interromper o hábito de inovar em nível essencial e começar a inovar em nível incremental ou até mesmo disruptivo, como startups tentam (e muitas vezes conseguem) inovar.  

Mas agora temos um conflito de identidade para lidar: O que significa ser uma empresa tradicional? O que você pensa quando lê a palavra ‘tradição’? Tradição nos faz imaginar que algo existe há muito tempo e tem como propósito existir para sempre. Ou seja, empresas tradicionais são desenhadas para serem eternas. No passado, ser tradicional significava ser uma empresa sólida, com grande foco em gestão.  

Enquanto isso, uma startup nasce com o desafio de destruir toda a estrutura tradicional de uma indústria muitas vezes secular. Imagine, por exemplo, que antes dos automóveis, já havia cocheiros fazendo o papel de taxistas, mas ao invés de carros, eram charretes a cavalo. E agora uma empresa como Uber coloca em xeque um modelo que existe antes mesmo dos taxis! Uma startup tem no seu DNA o propósito de tornar obsoleto o mercado que ela pretende desbravar. E quando ela consegue fazer isso, precisa ser rápida para se destruir e renascer das suas próprias cinzas, antes que outra empresa tão inovadora o faça. Assim, ser startup é estar sempre pensando em jamais ser tradicional. Voltando no exemplo da Uber, ela nem terminou de se inserir no mercado dos taxistas e já está pensando em carros autônomos e até mesmo drones para transportar pessoas pelos céus.

Estamos falando, portanto, de duas formas extremas de pensar negócios. E agora, nesse novo contexto de sobrevivência, estamos propondo um ponto intermediário onde grandes empresas absorvem, entendem e aplicam as práticas adotadas pelas startups para que possam continuar inovando, mas ao mesmo tempo, tentando existir no futuro incerto.  

Em uma entrevista recente para a revista PEGN, Eric Ries, autor do best seller “A Startup Enxuta”, disse que nos últimos anos vem trabalhando exatamente na validação da nossa hipótese inicial: Grandes empresas tradicionais conseguem inovar a partir das práticas adotadas pelas startups?  

E a resposta para ele, tal como nós acreditamos, é sim.  

Para reforçar a sua validação, Eric Ries acabou de lançar o livro “The Startup Way”, traduzido para o mercado brasileiro sob o título: “O Estilo Startup”. Nesta entrevista ele diz coisas muito reflexivas e a mais marcante delas, na nossa opinião é:

Programas de Corporate Venture não trazem inovação para as grandes empresas e destroem o que há de mais essencial na cultura das startups. Todas as vezes que a corporação se aproximava de uma startup e tentava assimilar a sua cultura de inovação, o que acontecia era exatamente o contrário: era a startup que assimilava a cultura da companhia. (RIES,2018)

Você pode acessar a entrevista aqui: https://revistapegn.globo.com/Startups/noticia/2018/03/programas-de-corporate-venture-nao-funcionam.html

E sabe o porquê isso é tão marcante para a gente? Porque nós também acreditávamos que grandes empresas que investem em startups em um conceito de Open Innovation amador, sem prepararem (de verdade) seus executivos e seus gestores estão gastando dinheiro, perdendo tempo e destruindo startups em fase inicial.  

Para inovar com as boas práticas das startups, os executivos das grandes empresas precisam pensar como os empreendedores disruptivos pensam. É necessário compreender a fundo alguns conceitos de Design Empático, e para isso precisam passar por uma profunda terapia de mudança de cultura para inovação. Não estou falando em uma vacina de cura que pode ser tomada com um workshop de inovação. Estou falando de uma terapia genética de mudança de mindset (como se fosse uma terapia CRISPR de edição genômica, mas para o jeito de pensar). Algo que demora meses, talvez até mais de um ano, até ser totalmente incorporado na cultura da empresa.  

E não ache que basta o presidente ou CEO de uma grande empresa investir em treinamento para seus executivos que isso vai dar certo. Isso tem que começar lá de cima. Os altos executivos das empresas precisam ser as primeiras pessoas a serem transformadas. Caso contrário, eles serão os primeiros a vetarem quaisquer atitudes inovadoras na corporação que ameacem a tradição e coloquem em risco a gestão e os processos que já funcionam há décadas por lá.  

Mas como fazer isso? Bem, vou começar a dizer como não fazer!  

  • Jamais tente aproximar uma startup da sua empresa, incubando esta empresa nascente dentro de sua estrutura física e administrativa. Você não vai assimilar a cultura de inovação e vai matar a startup antes que ela crie a sua própria cultura organizacional;  
  • Não espere que alguma empresa faça o “trabalho sujo” por você a partir de terceirização do portifólio de investimento em startups. Não existe a menor possibilidade de os funcionários da sua empresa aprenderem a ser inovadores por osmose simplesmente porque a sua empresa tradicional está investindo em startups através de algum programa de Corporate Venture. Isso seria sobrenatural, acredite;  
  • Não crie metas imediatistas com indicadores financeiros para projetos de inovação. Os indicadores adequados quando se fala de inovação são indicadores de Customer Development. Ou seja, indicadores que mostram que o seu projeto de inovação está criando um perfil de cliente para um novo negócio.  

Agora já podemos falar de algumas sugestões em como inovar através das boas práticas das startups para empresas tradicionais:  

  • Invista em um programa de educação intraempreendedora que realmente empodere seus funcionários (isso inclui principalmente a cúpula estratégica e executiva da empresa) a entender inovação e conhecer abordagens de criatividade orientadas à inovação; 
  • Crie condições favoráveis para o estímulo criativo e para a gestão da inovação na empresa, a partir de unidades de inovação independentes das regras tradicionais da empresa. Isto é, estruture um processo que saiba dar “carta branca” quando isso for realmente importante. Saiba entender o valor das spin-offs;  
  • Estruture uma área na empresa com total foco em empreendedorismo. Essa área deve ser formada por times multidisciplinares e liderada por alguém que é especialista em gestão da inovação e com fortes habilidades de relacionamento interpessoal.  

Em nossa jornada, ajudando gestores e executivos de médias e grandes empresas a reposicionarem suas estratégias com foco em inovação, é isso que aprendemos a fazer: educação intraempreendedora + gestão da inovação + lançamento de spin-offs. Uma receita de alto desempenho para empresas que olham para o futuro.  

Se você, gestor de uma grande empresa seguir essas sugestões como um ponto de partida para seu desafio de inovar de verdade dentro da sua organização, o medo de começar algo, realmente novo, pode ser atenuado. Afinal, não existe inovação sem caos criativo. Garantir excelência em gestão e esperar que a inovação vá acontecer a partir daí é o mesmo que acreditar que basta ter esperança de que um dia você será disruptivo. É preciso atitude pró-empreendedora e esforço, como em tudo que é desafiador. 


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