O paralelo empresa-nação e a necessidade premente de busca por eficiência e uma melhor gestão nunca esteve tão atual e exposto nos noticiários e programas de crítica econômica. É um discurso ressonante de difícil contestação por aqueles que possuem o conhecimento dos fatos e da conjuntura que vivemos. Embora não usual, escolhemos aproveitar esse paralelo como argumento para o tema da necessidade de eficiência nos processos de atendimento.
Assim como ocorre com o governo de nosso país, muitas empresas se encontram em uma situação de restrição orçamentária, tendo que cortar custos em função da dificuldade de conseguir novas receitas no curto e médio prazo. No país, o corte de custos pode se refletir na restrição ao acesso à programas e políticas ou na revisão dos mesmos. A decisão política pela implementação de tais medidas sempre é difícil, pois embora necessárias para reduzir desequilíbrios orçamentários e prevenir o aumento da carga tributária, podem gerar insatisfação na parcela da população que é usuária dos serviços e programas atingidos.
Os desafios para o atendimento no serviço público são agravados pela mudança significativa no perfil demográfico brasileiro. Em 1970, éramos “90 milhões em ação”, como chamava a atenção os versos iniciais da marchinha de apoio à seleção brasileira na Copa do Mundo. Hoje somos 210 milhões aproximadamente. Um salto de mais do que o dobro em crescimento em um pouco mais de 40 anos. A população envelheceu. A expectativa de vida média fica em torno dos 78 anos de idade, o que leva a uma mudança no “perfil de consumo” no atendimento dos órgãos públicos e secretarias.
Isso tudo foi agravado também pelas diretrizes da Constituição de 1988, a Constituição Social, que determinou a universalização do atendimento aos serviços básicos. Ou seja, garantindo assim, ao menos se valer o que está escrito, direito a todo cidadão ao acesso a serviços como saúde e educação.
Vamos exemplificar para o caso da saúde: antes, para se ter acesso ao serviço, era necessário apresentar a Carteira de Trabalho com vínculo, demonstrando que o cidadão contribuía com a previdência social e estava, portanto, com seu direito de atendimento assegurado. Isso restringia o acesso ao atendimento e explica boa parte da cultura de automedicação ou de se recorrer ao farmacêutico de confiança da família para obter orientação sobre o tratamento de doenças ou ainda pior: resistir procurar ao médico até que os efeitos fossem insuportáveis, o que agravava o posterior tratamento.
Hoje temos o Sistema Único de Saúde - SUS: todos têm direito de acesso ao serviço. As condições de instrução precária, a falta de saneamento, as epidemias, o envelhecimento da população, as campanhas de saúde preventiva, para citar apenas alguns dos fatores que impactam no processo de atendimento à saúde, fazem com que tenhamos, além do atendimento precário, filas de atendimento com prazos muito extensos. No limite, são noticiados pela imprensa casos extremos de necessidade de solicitação de ordem judicial para garantir atendimento urgentes. Além de casos de pessoas já falecidas há meses ou anos sendo chamadas para atendimento.
As empresas, regidas pelas leis de mercado, não sobrevivem a tamanho caos presente nos processos públicos de atendimento. Entretanto, isso não significa que não enfrentem dificuldades, seja por mudanças no perfil de sua demanda, ou pressionadas por soluções inovadoras de concorrentes que alteram padrões de expectativas de mercado ou ainda por necessidades de revisão de processos de atendimento como parte de um esforço de redução de custos para garantir a sobrevivência em períodos de crise como o que estamos passando.
Geralmente, são as medidas de restrição do orçamento que levam a um impacto maior nos padrões de atendimento para os clientes externos ou sobre os clientes internos, usuários de serviços de apoio. Seja pela redução do menu de serviços e produtos oferecidos ou pela piora de níveis de serviços e consequente insatisfação dos clientes, capaz de gerar uma espiral de impactos negativos e de trazer maior impacto ao equilíbrio orçamentário pela perda da competitividade e sua consequência nas vendas e resultados das operações.
No entanto, há formas de aumentar a produtividade na utilização dos recursos e reduzir o desequilíbrio orçamentário sem gerar impactos significativos sobre os clientes internos e externos. Num primeiro momento, pode-se pensar em ações como:
- Revisão e otimização dos processos com uso e abuso de recursos de tecnologia de informação;
- Recontratação de níveis de serviço com a adição de contrapartidas ou indicadores reversos;
- Revisão de políticas ou estabelecimento de critérios e regras onde elas ainda não existam;
- Promoção de maior transparência e visibilidade sobre o desempenho e utilização dos recursos e, ainda,
- Revisão dos sistemas de gestão e de governança.
Todas essas medidas são parte da implantação de um Centro de Serviços Compartilhados. A implantação do CSC mostra-se viável após a condução de um diagnóstico sobre processos, sistemas de informação e estrutura de pessoal. As possibilidades de ganho com a tecnologia atualmente disponível para automatização de processos, introdução de opções de autosserviço ao alcance das mãos via dispositivos móveis ou na centralização de pessoal em centrais de atendimento podem ser facilmente demonstradas na maioria das vezes. No entanto, a implantação de tais mudanças passa por um embate político nas empresas. Isso porque altera-se o status quo da gestão implantada, com a ressignificação do que é geração de valor para o negócio.
Além disso, esse tipo de implantação traz mudanças na estrutura organizacional, no sistema de liderança e de tomada de decisão e no quadro de pessoal às vezes mais profundas do que uma redução superficial para corte de despesas, que poderia ser suficiente para equilibrar o orçamento. Isso cria resistências e dificuldades adicionais. Entretanto, não adianta equilíbrio orçamentário no curto prazo se não forem gerados choques de produtividade ou competitividade, assegurando a geração de valor e a reversão da espiral negativa que levou a empresa à situação de crise. Cortes superficiais e medidas paliativas, geralmente, não se mostram soluções sustentáveis no médio e longo prazo.
Em comparação à crise no governo, a situação das empresas é mais urgente. Enquanto o país se redesenha e muda sua filosofia de atendimento e critérios de acesso aos serviços, tentando “disciplinar a fila” dentro da velocidade permitida pelas regras estabelecidas no Estado Democrático, com suas armadilhas e garantias institucionais e constitucionais, necessárias para garantir a legalidade e a pacificação da sociedade. No entanto, podemos evidenciar os esforços na implantação de centros de atendimento baseados em tecnologia e sistemas que mesmo com as dificuldades de implantação, agravadas pela necessária mudança cultural, tanto do servidor público quanto dos cidadãos clientes dos serviços, trazem luzes ao fim do túnel.
Já as empresas estão sujeitas às regras de mercado, da livre concorrência. A velocidade da pauta de mudanças das empresas precisa ser outra. Os concorrentes vêm de qualquer parte do mundo e as tecnologias estão disponíveis a todos os participantes do mercado. Para poder redesenhar-se na velocidade de mercado, a empresa deve tratar simultaneamente das questões técnicas, da revisão da estrutura de poder e governança e da adequação dos hábitos e usos de seu pessoal. A solução precisa ser integrada, pois qualquer eixo deixado de lado pode dificultar ou inviabilizar a redução dos custos e captura do valor na extensão requerida para a sustentabilidade do negócio.
O Estado pode rever sua estrutura de governança e nomear novos ministros alinhados a um programa de governo. Na empresa não há impeachment acompanhado de troca ministerial. Ajustes podem ser necessários, mas a liderança executiva deve estar convencida a agir de forma alinhada com a decisão e necessita de apoio especializado nesse momento. Esse apoio será mais necessário quanto maior a urgência. Isto é, maior for a situação de desequilíbrio interno e a diferença de desempenho em relação aos concorrentes.
Mudanças trazem riscos, podem ser impopulares e trazer insatisfação momentânea aos públicos de interesse, sejam funcionários, clientes ou fornecedores. Mas ao mesmo tempo, trazem oportunidades. É preciso habilidade política, mas também coragem, confiança, integridade, discernimento e constância de propósito para vencer as resistências até os resultados se apresentarem. São esses os elementos que formam os grandes Estadistas e, por conseguinte, também os que formam os grandes Líderes.