A comunicação desempenha um papel fundamental no ambiente corporativo, e a abordagem da Comunicação Não Violenta tem se destacado como uma ferramenta transformadora para as relações nas empresas. Assim, para falar sobre o tema, o CEO da ConsulPaz, Ari Pellicioli, conversou com Vivian Laube, especialista em Liderança, Comportamento Organizacional e Comunicação Não Violenta (CNV), e criadora do método Vamos Aprender a Conversar.
Vivian é apaixonada pela CNV e dedica-se à formação de lideranças e profissionais para o desenvolvimento das relações interpessoais. Ao longo da sua trajetória, desenvolveu um método e o descreve como um caminho para a construção de conversas mais autênticas, mais assertivas e menos violentas.
O caminho para conversas mais autênticas
O caminho, de acordo com Vivian, possui 3 etapas importantes. “Primeiro, eu preciso aprender a conversar comigo. Essa é uma deficiência enorme porque não sabemos o que queremos expressar para o outro. Na nossa conversa, normalmente culpamos o outro de algo. Então, quando vamos conversar, vamos para consertar o outro, para mostrar que ele está errado, que deve fazer diferente, enfim. E não conversamos com nós mesmos para saber o que sentimos e quais são as nossas necessidades. Então usamos muito mais uma linguagem de culpa”, explica.
Em um segundo momento, é preciso levar em consideração que tem outra pessoa nessa conversa. Ou seja, é auto conexão e conexão com o outro. “Nesse caminho do método, a conexão diz respeito à empatia, a gente aprende a escutar”, reforça. Vivian, inclusive, criou o curso “Vamos aprender a escutar”, pois existem várias maneiras de escutar as pessoas que são fundamentais e muitas vezes desconhecemos estas técnicas, como a da escuta ativa. Por fim, o método tem uma terceira etapa que é analisar a situação.
Vivian traz na entrevista alguns exemplos práticos de diálogos e formas de abordagem diferentes. “Eu não digo para as pessoas: eu te liguei três vezes, hoje você não me atendeu. Digo: você nunca atende o telefone! Já vou com uma crítica, com algo que é o meu ponto de vista sobre a situação”. Ela explica que é preciso falar a partir de um fato para as conversas serem mais assertivas e com uma linguagem clara. “Não é ser bonzinho, não é ser querido”, afirma. É, na verdade, um diálogo autêntico que consegue expor claramente um pedido para que o outro consiga atender a sua necessidade. “É algo muito importante e que eu descobri, mesmo sendo da área de comunicação, que eu nunca tinha aprendido e fiquei muito impactada”.
A comunicação no contexto corporativo atualmente
Durante a conversa, Ari Pellicioli comenta sobre o contexto empresarial atual, em que há uma grande diversidade de culturas e pessoas, além da rápida evolução das novas tecnologias e da velocidade das comunicações através de diversas ferramentas. Diante desse contexto, em que muitas vezes há também a pressão para atingir metas, ele questiona sobre o papel da liderança na comunicação com as equipes, no desenvolvimento das mesmas e na criação de um ambiente de trabalho positivo.
Vivian lembra que antigamente não havia discussão, os sentimentos ficavam fora do trabalho. Por isso, hoje os desafios dos líderes envolvem a ressignificação, revisão e modificação de conceitos estabelecidos anteriormente. A sociedade e as empresas tradicionais ainda estão fortemente embasadas nesses modelos antigos, o que cria um contexto desafiador para os líderes. “O líder tem que oferecer agora uma liderança mais humanizada. Eu gosto de chamar de liderança empática também. Mas como ele, como líder, vai fazer isso? Ele não sabe fazer. Nunca aprendeu sobre isso”.
Como melhorar a comunicação das lideranças com as equipes?
Para enfrentar esse desafio, Vivian destaca a importância de as empresas investirem no desenvolvimento dos líderes atuais. Ela enfatiza que esses profissionais necessitam de capacitação e de um conjunto amplo de ferramentas para desempenharem efetivamente o papel de uma nova liderança. “Eles precisam de apoio, mas precisam também ter interesse”, ressalta. Vivian destaca a importância de compreender as diferentes gerações e culturas presentes nas equipes, além da diversidade estimulada nos ambientes de trabalho atualmente. “Ora, se eu vou facilitar, eu não vou complicar”, pontua Vivian, enfatizando a necessidade de se comunicar de maneira compreensível para todos os membros do grupo.
A liderança precisa, cada vez mais, se colocar no papel de um facilitador, entendendo como se comunicar de forma adequada com cada indivíduo, ouvindo e conhecendo profundamente a equipe. Vivian destaca a importância de compreender como cada membro do time prefere receber feedback e como se envolver no processo de apoio mútuo. “Eu também não preciso ter resposta para tudo”, reconhecendo que a liderança contemporânea enfrenta diversas mudanças e desafios. A liderança atual, segundo Vivian, requer escuta atenta, conhecimento do grupo e adaptação à diversidade presente. Com as mudanças em curso, a liderança eficaz é construída com base no conhecimento e na facilitação, visando alcançar resultados positivos para todos os envolvidos.
A Importância de entender o que é a Comunicação Não Violenta
Segundo Vivian, é importante compreender o conceito de Comunicação Não Violenta e sua relevância na melhoria das relações interpessoais nas empresas. Ela explica que a CNV é baseada na percepção do psicólogo Marshall Rosenberg, que identificou a linguagem e a forma de comunicação como elementos determinantes para a manifestação de compaixão ou violência nas relações. “Ele se tornou um grande mediador de conflitos em nível mundial e deixou um legado”, reforça.
Vivian ressalta que a CNV não é apenas uma metodologia, mas um conjunto de quatro passos que envolve observar o que está acontecendo, reconhecer os próprios sentimentos e empatizar com os sentimentos do outro, identificar as necessidades pessoais e do outro, e, finalmente, fazer um pedido claro e expressar as descobertas feitas durante o processo de comunicação.
Para Vivian, a Comunicação Não Violenta é fundamental em todas as relações, seja em familiares ou profissionais. Os pais e profissionais da educação deveriam explorar mais esse tema, buscando orientações para educar de maneira mais empática e distante do modelo de comando e controle. Como o termo “comunicação não-violenta” pode afastar algumas pessoas inicialmente, a abordagem também é conhecida como comunicação assertiva. “Puxa, mas está me chamando de violento! Então vou ter que aprender a não ser violento? Já estão me ofendendo”, exemplifica.
Vivian cita a Justiça Restaurativa, que busca restaurar as relações por meio de conversas, e ressalta a importância de aprender a ter conversas corriqueiras e difíceis no dia a dia para lidar de forma mais efetiva com os conflitos. Assim, a conversa deste modelo deve ser incorporada na cultura nas empresas, permitindo a resolução precoce de conflitos e a criação de um ambiente mais harmonioso. Quando as pessoas dominarem as habilidades de comunicação, especialmente em conversas difíceis como o feedback, os conflitos serão minimizados e resolvidos com maior facilidade.
O feedback nas organizações
Ari compartilhou suas experiências e percepções em relação ao feedback no ambiente corporativo. Ele descreve a tensão e o nervosismo que costumava sentir ao ser convocado para receber um feedback, com toda a equipe observando e se perguntando o que estava acontecendo. “As pernas tremiam caminhando em direção a sala do chefe”, lembra. Ele comenta que muitas vezes o feedback se restringe a aspectos negativos, mas que também é necessário um feedback positivo constante. Diante disso, questiona Vivian sobre como as lideranças podem passar feedbacks assertivos, sem criar esse ambiente de tensão.
Vivian, especialista em Comunicação Não-Violenta, explora o motivo por trás dessas reações, desmistifica o processo e vai além: “E eu sinceramente acredito que a gente deveria transformar essa palavra feedback em uma outra qualquer, porque ela já está tão malvista que fica difícil. Toda vez que a gente fala: vou te dar um feedback! A pessoa já fica armada”. É um gatilho para todos ficarem na defensiva como quando os pais chamam para uma conversa, ou o companheiro diz que precisa conversar sobre a relação. “Gera um pânico”, alerta Vivian.
Segundo ela, na empresa é a mesma coisa, porque as pessoas não desenvolveram a habilidade de conversar. Um dos principais obstáculos é a resistência a ser avaliado por outros. “Não gostamos de ser avaliados, e muitas vezes acreditamos que o outro não está apto a nos avaliar”, explica. Essa percepção alimenta a desconfiança e a incerteza diante do feedback recebido. No entanto, Vivian ressalta que é fundamental entender que o feedback pode ser construtivo e benéfico para o crescimento profissional.
A cultura do feedback tradicional, com sua abordagem do “sanduíche” – um elogio, seguido de críticas, e outro elogio -, já foi amplamente praticada, mas se mostrou ineficaz.
Como passar feedbacks assertivos
Vivian destaca a importância de separar o momento de elogiar do momento de abordar as questões a melhorar. Reconhecer as conquistas e as qualidades de alguém é fundamental para construir um relacionamento de confiança. Ela cita a renomada autora Brené Brown, em seu livro “A Coragem para Liderar”, em que aborda a importância de os líderes se aproximarem das pessoas e demonstrarem apreciação por elas. Vivian ressalta que as lideranças devem estar atentas às ações positivas dos colaboradores e expressar seu reconhecimento. Isso gera confiança mútua e estabelece uma base sólida para futuras conversas de feedback.
Para que o feedback seja efetivo, Vivian enfatiza a importância de uma abordagem curiosa. Em vez de chegar com uma avaliação pronta, os líderes devem iniciar a conversa com perguntas abertas, demonstrando interesse genuíno. Essa postura permite que o outro expresse sua perspectiva e contribui para uma compreensão mais ampla da situação. Vivian também destaca a importância de o líder utilizar a técnica das perguntas: “Você precisa de alguma ajuda?” ou “O que posso fazer para te apoiar?”. Essas expressões mostram disponibilidade para auxiliar e promovem um ambiente de colaboração.
A técnica da “Investigação Apreciativa”, também é eficaz, segundo Vivian. Ela consiste em destacar tanto o que está bom quanto o que pode ser aprimorado. O feedback, não deve ser uma conversa engessada, mas sim um diálogo aberto, em que a curiosidade prevaleça sobre a certeza. É essencial permitir que o outro compartilhe sua realidade e sua verdade. Assim, o feedback se torna um instrumento de crescimento e desenvolvimento mútuo. Ao adotar uma abordagem curiosa e valorizar o reconhecimento, as empresas poderão criar um ambiente propício ao crescimento profissional e à construção de equipes mais engajadas e confiantes.
Reconhecimento e capacitação como impulsionadores
Ari Pellicioli destacou a importância do reconhecimento no engajamento das pessoas. Trouxe um exemplo prático de um painel de boas práticas que implementou em uma empresa em que trabalhou. Nesse painel, os colaboradores podiam reconhecer e compartilhar situações positivas e bem-sucedidas de trabalho de seus colegas. Aquilo incentivava a cultura de comunicação, colaboração e compartilhamento de ideias, criando um ambiente em que as pessoas se sentiam valorizadas e motivadas a contribuir. São ferramentas e abordagens positivas que acabam incentivando esse tipo de cultura, em conjunto com o apoio das lideranças e engajamento de toda a equipe. Ou seja: o reconhecimento está diretamente relacionado aos resultados esperados pelas organizações.
Quando Vivian aborda a importância de as empresas realizarem capacitações para melhorar a comunicação entre os colaboradores, ela reforça que essa mudança requer uma transformação de mindset e cultura organizacional. A forma tradicional de comunicação, baseada em educação de certo e errado, julgamentos e controle, está profundamente enraizada na sociedade patriarcal e em nossos vieses cognitivos. Para efetuar essa transformação, é fundamental que as capacitações não sejam apenas eventos únicos, mas um processo contínuo. As pessoas precisam compreender a importância da mudança e estarem dispostas a abraçá-la no dia a dia da empresa. Palestras isoladas não são suficientes; é necessário comprometimento e uma cultura organizacional voltada para a mudança.
A Conexão Humana na Era da Tecnologia
Tanto Ari quanto Vivian concordam que a comunicação precisa se adaptar aos novos modelos com a tecnologia nas empresas. Ari destaca a importância dos três pilares – pessoas, processos e tecnologia – e como eles são interdependentes para o funcionamento adequado da comunicação organizacional. Ele menciona que a gestão da mudança é essencial nesse contexto, especialmente ao implementar novas iniciativas, projetos ou tecnologias. No entanto, ele questiona se existe uma receita ou estratégia ideal de comunicação para garantir o engajamento das pessoas e a adesão a essas mudanças.
Vivian reforça a necessidade de autoconhecimento e empatia, usando o método da Comunicação Não Violenta, que envolve observação, sentimentos, necessidades e pedidos. Essa clareza interna facilita a compreensão mútua e o estabelecimento de relacionamentos mais assertivos. Ela ressalta que gestores de projetos e profissionais de gestão devem ter conhecimentos básicos de comunicação para criar relacionamentos eficazes.
Ambos concordam que a construção de relacionamentos, escuta ativa e inteligência emocional são fundamentais para uma comunicação efetiva. Os dois destacam a importância de sermos vistos, ouvidos, valorizados e respeitados pelos outros para promover o engajamento e a colaboração em equipes. Além disso, eles enfatizam a necessidade de escutar além das palavras e compreender as necessidades e emoções subjacentes nas interações.
Confira a entrevista na íntegra pela plataforma de sua preferência:
Assista no Youtube:
Ouça como Podcast:
Leia na Revista: